Parece que a gente passa a vida sendo confrontado com números e avaliações. Notas na escola, rankings do seu time do coração, número de medalhas ganhas ou perdidas desde a infância, acervo de livros e CDs, graus de especialização profissional e por aí vai.
Outro dia li na capa de uma revista que folheava num consultório médico: Trezentas e cinqüenta dicas para você arrasar nesse verão. Sempre concebi “dicas” como pequenas pérolas; toques preciosos, segredos compartilhados entre grandes amigos, pequenas gotas de sabedoria passadas de pai para filhos. Trezentas e cinqüenta dicas me pareceram um assombro.Estamos em época de natal e o apelo por mais consumo fica ainda mais truculento. Em casa fizemos uma limpeza nos brinquedos do Léo e nos espantamos com o mundaréu de coisas que ele já tem com apenas cinco anos de idade.
Ligo o rádio e ouço boletins atualizando notícias a cada trinta minutos.
Há pouco nos mudamos para Itu e à medida que encaixotávamos nossas coisas íamos nos espantando: será que a gente precisa mesmo de tudo isso pra viver?
Diariamente fico preso em engarrafamentos abissais e leio nos jornais que a indústria de automóvel vive batendo recordes de produção.
Outro dia apresentei meu espetáculo de palhaço em uma grande empresa em São Paulo Fazemos um jogo no qual recebemos frases escritas colhidas junto à nossa platéia. Uma delas dizia: “vou ficar rico até completar vinte e cinco anos” e outra “quero juntar um milhão de dólares antes dos trinta anos”.
Tiramos do planeta tudo que conseguimos, até nas profundezas do solo enfiamos sondas para sugar mais e mais riquezas. Mineiros morrem soterrados em minas espalhadas pelo mundo.
Isso tudo me remete à tragédia de Sísifo, herói condenado pelos deuses à tarefa inesgotável de todos os dias carregar uma enorme pedra até o topo de um penhasco e vê-la despencando ribanceira abaixo.
Noite dessas, olhei para o céu e ele estava estrelado. Sei que são cem milhões de estrelas só em nossa galáxia. E nossa galáxia é uma perdida entre outros cem milhões de galáxias. Saber que toda aquela imensidão não tem dono e nunca poderá ter devolveu um pouco de paz ao meu espírito e fui dormir com um sorrisinho besta de canto de boca.
Na manhã seguinte, quase engasguei e por pouco não cuspi o gole de café com leite que acabava de saborear ao ler no jornal que o homem já tem data para sua primeira viagem tripulada a marte.