terça-feira, 24 de agosto de 2010

Vaidade


A vaidade é, segundo o dicionário: qualidade do que é vão, ilusório, instável; presunção; coisa fútil ou insignificante, futilidade, tolice. Na mitologia grega a vaidade levou Narciso ao mergulho suicida.
Os exemplos de estórias que nos apresentam a vaidade como um pecado moral são inúmeros, mas como não pretendo cansar o leitor, paro por aqui.
Para o bem ou pra o mal, desde Einstein, no século passado, tudo no mundo das ciências virou relativo. No mundo da moral, sempre foi!
Teve um episódio vivido na minha épca de Dr da Alegria que é uma prova cabal – sempre gostei desta palavra - do que acabo de afirmar.
Era mais um dia normal de trabalho para o Dr. Comendador Nelson e seu parceiro, o Dr. Lambada. Tudo seguindo a rotina de um dia de trabalho de dois palhaços num hospital. Tropeções, cabeçadas na porta, músicas, pum no elevador e, encontros. Alguns formidáveis como o que segue.
Pela janelinha da porta do quarto - moldura de muitas intervenções dos dois médicos Besteirologistas - avistamos a próxima vítima, digo paciente.
Era uma menina de uns sete ou oito anos. Bonita. Cabelos repartidos entre duas longas tranças cuidadosamente enfeitadas com florezinhas coloridas. Estava sozinha no quarto. Nem acompanhantes, nem parceiros de quarto. Estava sob o lençol, para fora só seu rosto e uma das mãos segurando o lençol como se alguém fosse lhe descobrir a qualquer momento.
Já conhecíamos a menina de outras visitas. Já sabíamos que lhe roubar um sorriso não era tarefa fácil. A menina tinha um ar amargurado de alguém que já sofreu muito e já está quase desistindo. Grosseira não era, sempre educada. Mas cada “obrigada” cordial vinha temperado com um profundo ar de enfado, de cansaço, de desesperança.
Pedimos permissão para entrar no quarto. A menina assentiu com a cabeça sem demonstrar nenhum sentimento com relação à nossa chegada . A menina acompanhava tudo o que os palhaços faziam com um olhar atento e cansado. Colocou a segunda mão para fora do lençol.
O Dr. Lambada arriscou uma música que foi acompanhada por uma coreografia do Dr. Comendador. A menina acompanhou tudo com seu olhar profundamente denso para uma menina de sua idade. Falou alguma coisa que os palhaços não entenderam. Vitória! Ela falou! O Dr. Comendador aproximou-se mais da menina e ela repetiu o que houvera dito:
- Faz as bolhas.
Era lacônica. O Dr. Lambada acompanhou as bolhas de sabão do Dr. Comendador com sua adaptação de “Cai-Cai Balão”. Agora era “Cai-Cai bolhão”.
Os palhaços Besteirologistas acharam que agora a menina sairia de seu auto-exílio, mas que nada! Continuava com seu ar de desesperança. Às vezes, parecia ter noventa anos tamanho era seu cansaço em viver.
Já quase me preparando para sair do quarto arrisquei uma poesia que, como quase tudo, não tocou a menina. O Dr. Lambada fez então uma música de despedida cantando a beleza da menina. Os primeiros versos que falavam da beleza de suas longas tranças foram acompanhados por aquele clássico assobio de pedreiro quando passa uma mulher na frente da obra: fiu-fiu!
O clássico fiu-fiu teve o mesmo efeito da flauta que encanta serpentes na Índia. A menina ajeitou os cabelos, aprumou-se na cama e sorriu. Outro assobio: fiu, fiu. Outro sorriso, recatado é verdade, mas um sorriso. Seus olhos ganharam brilho e, pela primeira vez, ela acenou com a mão despedindo-se dos palhaços galantes.
Pura vaidade!
E quem há de reprová-la?!