terça-feira, 1 de junho de 2010

Até quando?

- Por favor, onde fica o banheiro?


- O senhor está vendo aquela escada? O senhor sobe, depois desce três lances. É logo ali.

- Desculpe, mas como o senhor pode ver, não caminho com facilidade – evidenciei a bengala que levava para me auxiliar na marcha . Preciso saber onde fica um banheiro que seja mais próximo do que esse? Há de haver um.

- Ah, não tem outro não senhor, o senhor tem que usar as escadas.

Fui.

O trajeto era penoso. Subi um lance sem corrimão. Era só um aquecimento leve. Então me deparei com um lance maior, mais inclinado ainda. Ôba, pelo menos esse tem corrimão. Logo em seguida outro lance. Cheguei ao banheiro? Ainda não. Viradinha para a direita e uma pegadinha: um único degrau, porém bastante mal iluminado. Lá vou eu desabando, bengala ao chão, e me escoro na parede logo em frente. Aprumo-me, ajeito a dignidade. Ainda falta um pequeno lance: mais quatro degraus. Ufa, com corrimão. Chego ao banheiro. Quase tarde demais. Por pouco, muito pouco, pouco mesmo.

Agora, terei o segundo turno: o caminho de volta. Os lances que desci agora terei que os subir. Todos eles. Ainda tenho que ficar atento ao degrau mal iluminado e enfrentar aquele trecho sem corrimão. Cruzei uma moça bonita e fiz finta de guerreiro. Subi cada degrau com fleuma de batalhador incansável. Ufa! Ela já passou. Dei uma pausa, respirei e retomei a missão. Senti-me um Indiana Jones.

Quando retornei à mesa, a comida já tinha esfriado. O papo já era outro. Ainda bem, por que depois de tanta aventura já nem lembrava mais do que estávamos falando. Ajeitei o guardanapo no colo e falei baixinho:

- Espero não precisar ir ao banheiro outra vez.

- O que você disse?

- Eu? Não, nada.

Papo vem papo vai, um vinhozinho, um suco, um cafezinho e ai meu Deus! Vontade de ir ao banheiro. De novo. Antes tivesse jantado em casa.

Final da nova odisséia e reencontro o maitre, aquele a qual pedi informação sobre a localização do banheiro no início da noite.

- Meu amigo, deixe eu te falar uma coisa. Note que não estou nervoso embora tivesse motivos de sobra para estar. O senhor disse que eu teria que usar as escadas para ir ao banheiro, eu não lhe respondi nada, pois estava apertado e sabia que o papo seria longo. Agora vamos lá: não, eu não tenho que usar as escadas para ir ao banheiro. O estabelecimento tem obrigação de oferecer condições para que pessoas como eu tenham condições de freqüentar o restaurante.

- É, realmente o senhor tem razão, precisaria ter um banheiro aqui em cima, mas não tem.

- Mas tem que ter, isso é um direito meu e uma obrigação de vocês.

- Peço desculpas ao senhor, vamos fazer o seguinte: quando o senhor precisar utilizar o banheiro novamente, o senhor me avise e eu levarei o senhor por um caminho que tem menos escadas. Só tem o inconveniente de termos que sair um pouco, vamos pela calçada e entramos novamente logo ali adiante.

- Você não está me entendendo. Eu não vou sair e depois voltar para precisar de menos escadas. Vocês têm que me oferecer um banheiro aqui dentro, próximo às mesas, com fácil acesso e comodidade mínima.

- O senhor tem razão, mas fica difícil, o senhor repare bem...

- Desculpe interrompe-lo: você acha justificável a existência de trabalho escravo?

- Não, de modo algum, mas...

- Para mim, estar em um bar bastante badalado na Vila Madalena, São Paulo capital, século vinte e um, e ver que não existe acessibilidade para portadores de deficiência é tão injustificável quanto o trabalho escravo.

- O senhor tem razão, mas da próxima vez que o senhor vir...

- Não terá próxima vez. E não estou fazendo pirraça nem tampouco boicote. Quando saio, sozinho ou com amigos, costumo procurar ir a lugares onde me sinta bem. Aqui apesar de o ambiente ser de muito bom gosto, a comida ser uma delícia e o senhor muito atencioso, eu não me sinto bem. Meu jantar foi um enorme transtorno, me foi penoso. Não curto sacrifício. Aqui não volto mais. Já sofro bastante por ser corintiano e ter que torcer pela seleção do Dunga, não preciso de mais sofrimento.

Ter citado a seleção do Dunga como argumento foi definitivo. O maitre desistiu, pediu desculpas e me acompanhou até o local onde apanhei meu carro. Chegando a minha casa tomei um lanche antes de dormir.

Saí do restaurante cansado e com fome. Cansado pela maratona e com fome por que a comida esfriou enquanto “escalava” as escadas que me levavam ao banheiro.

Meu Deus, até quando?