sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Quem é o próximo?

Estava na fila da padaria esperando minha vez para comprar os pãezinhos do lanche do fim de tarde. A fila estava grande e a todo o momento as atendentes, empenhadas em dar conta do movimento que só fazia aumentar, perguntavam:

- Quem é o próximo?
Com o barulho e a desatenção de quem está batendo papo com um conhecido que acaba de reencontrar na fila da padoca ninguém ouvia e ela repetia ainda mais alto:
- Quem é o próximo?
Finalmente alguém levantava a mão e dirigia-se a atendente. Quase moto-contínuo outra atendente esticava o pescoço e indagava em alto e bom som:
- Quem é o próximo?
Esta pergunta repetida a exaustão ganhou outro significado para mim que ainda estava no meio da fila. “Quem é o próximo/” não soava mais como “Quem é o subseqüente na fila?”, mas como um mantra a indagar: Afinal, quem é esse próximo de que tanto se fala nos textos religiosos e nas campanhas de televisão pelos desabrigados de algum novo acidente climático? Devemos ajudar ao próximo, parece que todos concordam, mas aquelas meninas da padoca perguntavam:
- Quem é o próximo?
Comentei com a pessoa que aguardava a minha frente:
- O próximo sou eu.
Ela me olhou com ar de quem está diante de um pateta. Antes que ficasse brava e achasse que eu estava querendo furar fila me expliquei, ou tentei:
- A senhora é a próxima, esse sujeito ao seu lado é o próximo, a própria balconista é a próxima.
A mulher desistiu. Virou-se para frente e me ignorou solenemente como quem ignora uma topeira ambulante.
Mas e o tão falado amor ao próximo? Como posso amar alguém que nem sei quem seja?
- Quem é o próximo?
“O próximo” virou quase uma entidade desencarnada, um ente amável, igual a nós e que merece todo respeito e solidariedade embora não exista na vida real, no dia a dia, na fila da padoca.. Quase um fantasma. Agora lembrava que o próximo é o cara de carne e osso que me fecha no trânsito, é o Dunga, o atendente da padoca, o Obama, o pai do Bin Laden, a prima da Regina Duarte e por aí vai.
Lembrei que li há pouco tempo uma matéria em alguma revista ou na internet, já não me lembro, uma informação que me deixou olhando para cima com os dois cantos da boca voltados para baixo como na máscara do choro naqueles emblemas de teatro com um sorrindo e o outro chorando. Estava escrito, e era uma fonte digna de confiança, se é que isso exista, que a maior indústria do Globo é a indústria bélica, a segunda maior a indústria da prostituição e a terceira a industria do narcotráfico. Uau!
- Quem é o próximo?
Aquela atendente de uniforme e gorrinho na cabeça parecia um mestre a indagar:
- Quem é o próximo?
Finalmente chegou minha vez:
- Pois não, já foi atendido?
- Quero oito pãezinhos.
Peguei o pacote, paguei a conta no caixa e, quando me dirigia ao meu carro, um pedinte bem maltrapilho me pediu um cigarro. Respondi que não tinha e expliquei:
- Eu não fumo. Pediu uma moeda. Levei as mãos ao bolso da calça para mostrar-lhe que não tinha moedas. Mas na carteira eu tinha muito mais do que moedas, contudo isso não disse a ele. O pedinte seguiu seu caminho e eu entrei no meu carro com vergonha por sentir-me aliviado em não ter sido assaltado.
“Eis ai o próximo” pensei enquanto dava a partida no carro.