A primeira vez que li esse poesia do Drummond, há uns trinta anos, fiquei muito tocado quando o poeta diz que o mundo não pesa mais do que a mão de uma criança. Durante muito tempo esse foi meu vínculo com essa poesia. A ideia da possibilidade da leveza diante da vida.
Outro dia reli a poesia para reencontrar a tal leveza e o que impactou-me mais foi a imagem dos olhos enormes que resplandecem na escuridão, todo certeza.
Mais do que leve o poeta ficou transparente. Nada mais o atinge.
Mas afinal, o que é a vida e o que é mistificação? Como distinguir uma coisa da outra?
Será que a poesia é mistificação?
Se for eu estou frito. Frito mas livre da mistificação. Só frito e pronto.
As coisas são como elas são. Mas como são?
Tenho receio que só sobre a mistificação, nada mais. Armadilha pós-moderna.
Melhor viver do que pensar.
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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